De Philippe Costantini
Documentário, França, 1989
Flash back
«O francês Philippe Costantini filmou Vilar de Perdizes (Trás-os-Montes) pele primeira vez em 1977 (Terra de Abril)». País em efervescência política e cultural. Este filme cruza um mistério - as primeiras eleições legislativas de Portugal. «Passados uns anos filmou famílias emigradas nos EUA.
Fascinou-o isolamento da aldeia e o seu modo de vida ancestral, numa época em que Portugal enfrentava profundas mudanças».
«Doze anos depois, em 1989, regressa para constatar que muitos habitantes emigraram.»
Preparou as Pedras de Saudade antes e em conjunto. Daí o resultado "milagroso": as pessoas, protagonistas desta história, estarem tão à vontade, tendo a população já bastantes relações com Costantini.
«Os que ficaram dedicam-se à agricultura». Ceifar, lavrar uma terra de macieiras. "O dono da casa está longe, dá um bocadinho de trabalho mas pagam-me bem».
«Ou então à construção das casas desses emigrantes que alteraram progressivamente a paisagem».
Paulo Filipe Monteiro
«Em busca de novos horizontes de esperança, os Portugueses trocaram o seu país por outras regiões, por outras oportunidades, por outras vidas...
Imaginaram o seu regresso, quando fosse atingido o propósito de melhorar a vida; de ganhar dinheiro; de amealhar poupança; de ter mais liberdade. Alguns conseguiram-no, outros não.
Quando partem muitos emigrantes têm um projecto de regresso. Em conjunto com outros factores, este projecto - que muitas vezes é sucessivamente adiado - alimenta e fortalece os laços com a terra de origem. Mas embora organizado pela ideia de retorno, o processo migratório nem sempre desemboca no regresso definitivo.
As Pátrias reconstruídas, a união entre os seus, a recombinação das pertenças, a tradição re-inventada, e a possibilidade, real ou imaginada de um regresso. E também, o regressar aos poucos, o regressar ritual, a reactualização dos laços, a festa e a celebração.
Encontra-se a casa que se constrói no sítio de onde se partiu e os objectos do quotidiano que trazem histórias, memórias de outras terras.
Uns, muito poucos, regressarão, ainda; outros serão sempre não-regressantes. Para a maior parte não haverá regresso, porque nunca houve partida, são filhos e netos de portugueses, diluídos na paisagem».
Vai no teu querer
Um só desejo de verdade:
Viver em Portugal
Cá tornarão, cá há-de vir ter. Ganham: ganhá-lo fora e depois cá aproveitá-lo. Não ha outra razão.
Eles chegam e trazem toda a sua cultura.
As casas são casas de luxo. A construção das casas é a imagem que eles trazem na cabeça.
A casa está
very good. A piscina, vasos a enfeitarem a parte da piscina, o aquecimento, os rebordos feitos de madeira e de mármore...
"Para que vai ser esta casa?
Esquentador? Nem chuveiro tenho...
Vieram os saneamentos para a aldeia (o saneamento é muito antigo) e agora, normalmente, toda a gente já quer quartos de banho... Olhem só a vista da minha casa de banho! Então? Há 12 anos não tinha esta vista! Pois não. Agora é que arranjei este palácio, parece o Palácio da Rainha!
Eu podia fazer a casa nos EUA mas lá as contribuições são altas.
Resolvi fazer a casa cá, mas não devia. Tem uma cozinha tradicional para se pendurarem os chouriços e os presuntos e uma cozinha moderna, simbólica da modernidade.
A nossa aldeia, os nossos rios, os nossos vales, as nossas casas velhas, as nosssas casas novas...
os caminhos intrasitáveis.
Tratava-me mal. Tive um grande desgosto com a morte dele. Custou-me muito. Se fosse de doença, mas assim de repente.
Cá fiquei mas estou mais sossegada, mais tranquila.
A minha vida é uma vida triste. Vivo sozinha. Os filhos estão para França. Eles querem-me lá, mas eu não gosto. Não gosto da França, cá é mais quente. Eu também não sei a vida deles. Gosto é de estar na minha casa. Ás vezes, a gente não sabe como viver. Quero é a companhia de Deus: paz, esperança e amor.
Nas férias que passamos aqui estamos nas nossas casas, bebemos umas cervejas, andamos em casa de um, em casa de outro. Joga-se à malha.
Agosto. A vida daqui é muito alegre, mas só neste mês.
Não é como uma cidade em que nos desconhecemos todos. Aqui vive tudo em família, são 500 fogos, 1000 pessoas. Em Agosto, 2500 e conhece-se toda a gente. Lá vivo no 1º andar e não sei quem vive no 5º.
A vida é um desafio permanente. É um desafio lá e agora venho para aqui desafiar-me."
Há poucos filmes que ilustrem tão bem a divisão em que está o emigrante.
Emigração: corte, desenraizamento, tristeza, jogar xadrez em dois tabuleiros - duplicidade. Não sentir ser nem português, nem francês, ou americano... sentir-se marciano. Aliás, luso (qualquer coisa).
A saudade de querer morar em Portugal. As raízes que criam nos outros países.
O curso da vida. Gostar muito da aldeia, mas não para lá viver.
Não saber como viver (lá é díficil viver, cá é díficil viver; é uma vida mais alegre lá, é uma vida mais alegre cá; é uma vida mais triste em Portugal, é uma vida mais triste lá...).
Um discurso retórico.
Construção de casas desmesuradas - anedóticas, que depois ficam abandonadas. Há quase como que uma esquizofrenia. Deparam-se com a sua vida estragada porque não se decidem onde querem viver e fazem investimentos brutais.
Situação de enorme divisão: dualidade - metade cá, metade lá. O regresso imaginado: quando se parte imagina-se sempre uma hipótese de regresso. Cristalizam a sua memória de um país, que depois evolui. É quase Francês, se viveu desde os 20 anos em França, viveu toda a sua vida de adulto em França. Ao longo do processo de reinserção num outro país há sempre uma trama de relações: casamentos mistos; filhos que crescem e que preferem falar em francês; amigos.
A aldeia a mudar com a chegada destas pessoas, emigrantes. Até a paisagem se altera!
As sociedades mudam: a nostalgia é uma corda que nos toca, mas a vida a não ser feita só de nostalgia.
Para lá do preconceito das casas dos emigrantes: a forma como as pessoas quiseram ter uma vida melhor nas suas casas. As casas das aldeias eram escuras e não tinham luz. Up date que as pessoas tiveram nas suas casas - melhores condições de habitabilidade. Por que é que as casas não hão-de ter casas de banho?!
As críticas ás casas dos emigrantes e ao que elas desfiavam. Se por um lado, nos dão vontade de rir por serem caricatas, por outro dão-nos também vontade de chorar por serem fantasmáticas e isso ser trágico. Engole-se o riso rapidamente. A importância das casas ressalta em todos os emigrantes, são casas construídas por etapas. Casas ridicularizadas por Eça de Queirós, que estão na actualidade, a ser reabilitadas e já são peças do património Português, tendo-se inclusivamente descoberto que foram construídas, algumas, por arquitectos de renome.
Ainda por outras palavras, as casas dos emigrantes são o
show-off de uma construção de vitória, de forma a mostrar à família extensa das aldeias que foram capazes de ultrapassar dificuldades; são as segundas residências, enquanto alargamento de espaços de vivências e de férias.
Houve, curiosamente, muitos portugueses, não emigrantes a construírem casas estrangeiradas, copiando-as de modelos de revistas. Pura imitação!