Contemplação
Olho para trás e é tudo ainda mais bonito.
Há dias assim...
«Sobre os homens sei tão pouco (...). A cada dia que passa, o meu saber é desmoronado por novos exemplos. É uma realidade em mutação e, possivelmente, sempre foi. Os homens e as mulheres entendem-se melhor se perceberem que têm uma raiz muito forte em comum e aquilo que os distingue é um acidente generoso. (...)
Desliguei o telefone triste, por ti. Mas é como disseste, ainda bem que aconteceu, só foi pena não ter acontecido durante mais tempo. Ficam um monte de porquês a pairar e vais ter de os deixar pousar lentamente até que sejas capaz de os pisar no chão, sem dor. Até lá, não vale a pena pensar muito; há que guardar o que se ganhou e seguir em frente como se pode.
Num dia de sol em que sopra uma aragem que nos bate na cara e sabe bem, depois de uma noite em claro e de se ter dormido um número de horas mais que insuficientes, um lanche com uma amiga, que é quase como uma irmã, numa esplanada defronte para um lago e um passeio ao longo de um jardim...
De noite, os sons de quem dormia ou tentava dormir. Eu ali naquele canto, encostada, no escuro, a pensar. Pensar melhor enquanto todos dormem, enquanto tudo está quieto. Pensar em tudo o que vai cá dentro só porque me acalma. Sou eu, ali. Pensar em tudo o que vivi e chorar. Lágrimas que precisam de desprender-se de mim para que me consiga desprender da emoção que as faz cair.
É mais uma descida ao fundo de mim mesma. Mais dolorosa, do que sempre. Porquê? Para quê?
Há pessoas em quem não voltamos a confiar porque vamos andar sempre à procura de motivos para não confiar!
Hoje o meu dia foi poético e feito de emoção pelo inesperado daquilo que as relações nos revelam...
- Ficar a saber que X também fuma Y: tabaco de melão, baunilha e chocolate
Guardo o abraço mais ternurento e caloroso. Guardo a intensidade do olhar. Guardo o toque que é uma mão a deslizar pela minha cara num gesto profundo que jamais poderá ser traduzido em palavras. Guardo o fechar e o abrir de olhos cheio de expressividade de um sorriso. Guardo a fragilidade que é sensibilidade e coragem, over and over again. Guardo cada momento... único!
Há uma tarde imaginada, sonhada, tornada real. Há um início de uma tarde em que toda a ternura se espalha da ponta dos meus dedos pelo teu corpo. Há um fim de tarde, no centro de um jardim, amarelecida pela suavidade do calor que fica em nós, em ti e em mim, onde crianças brincam.
«Em última instância, o que determina a felicidade é o alargamento do espaço interior. As crianças sabem muito bem preencher esse espaço. Elas querem ouvir uma história várias vezes, porque a organizam de maneira diferente, porque é preciso maturar, porque as serena, como se fosse uma âncora em relação ao mundo. E parece que quanto mais velho se fica mais importante é a infância.»
Um jeito. Múrmurio de sussurros. Não ter medo de trazer afectos e carregar memórias. Traumas emocionais fracturantes que se encerram em ciclos. O medo gasto. Recordações que escorregam por um tempo perdido. O início de alguma coisa. Atropelos de vida no amor. Amizades aleijadas. Empréstimos de ternura. O que os Outros nos devolvem. Noites entristecidas. Tropeçar no inesperado. Tributos de um corpo sobre outro, no chão. Pés descalços que se entrelaçam. Fios de tarde. Chuva miudinha de choro a envolver um abraço. Rasgos de alma que são como arrepios. Viagens a tempos passados para fechar desarrumos. Travessias de ego. O que deixa adivinhar perigos. Sorrisos contemplativos. Depois da dor, quase um prazer. Espreitar sensações. Como se se tratasse de um olhar cego. Tateações desconhecidas. Momentos calmos de brandura. Teias sentimentais. Dessarranjos de respeito, digo mentira. Desalojar a mágoa. Sacudidelas para longe do que não interessa mais. Desperdiçar o que perdeu brilho. Reconstruções. Nós de saudade q.b. Entrelaçar experiências. Expressar sentimentos novos devagar. Apalpar sonhos.
Não saberia viver sem coisas fundamentais como aquilo que vamos tatuando uns nos outros com densidades do dia-a-dia. Não saberia viver sem os gestos mais genuínos das pessoas que me querem bem, a quem desejo tudo o que há de melhor e de quem gosto muito. Não saberia viver sem as amizades próximas. O melhor: os sentimentos perto daquilo que somos.