Ir de viagem
A mala está feita.
Como tive oportunidade de conhecer o Andrei no Doc Lisboa 09 hoje procurei-o no Facebook e encontrei-o! Não resisti a enviar-lhe uma mensagem a felicitá-lo mais uma vez.
A voz diz muito daquilo que somos no interior (disse Mariza numa entrevista).
Fui este ano ao Doc Lisboa pela segunda vez ver este filme que me impressionou e tocou muito. No fim, a oportunidade de uma conversa com o realizador Andrei. Muito jovem, doce, humilde e genuíno tal como o filme. Adorei este filme!
Se é que me faço entender, há coisas que foram “giras” durante um tempo mas que depois deixaram de o ser. Há jogos que queremos deixar de jogar: game over! Há coisas que se perdem e não ficam guardadas em nós porque deixam de existir no quotidiano e no resto do tempo. Há coisas que nunca conseguiremos entender. Há coisas que nos deixam de interessar porque deixam de ser importantes. Há coisas que são resultado do que vivemos. Há coisas que não queremos esquecer, porque apagá-las é apagar o que dói, o que magoa, e isso, é apagar-me… deixar de existir como o que sou. Há coisas que já não encaixam no puzzle da vida: porque a vida segue e não lhe podemos pedir que entenda, compreenda, pare, volte a poder ser. Há coisas que nos passam a ser indiferentes. Há coisas de que nem nos lembramos mais.
Cruzámo-nos. Tinha um ar cansado e preocupado e triste. Cruzámo-nos. Ia beber café e permanecer ao seu lado durante toda a noite. Cruzámo-nos. Escutei com toda a atenção as suas palavras. Cruzámo-nos enquanto tocavam os cds de Chopin que trouxe. Estava a fazer uma massagem relaxante e de conforto ao seu companheiro, com quem partilhou a sua vida.
E eu que achava que seria um exagero da realidade...
Guardo uma imagem vossa ternurenta.
Ontem vivi momentos intensos que me deixaram comovida. Foram momentos de partilha, de despedida, de acompanhar a partida. As palavras de doçura e os abraços genuínos que aconteceram foram como uma vibração que nos transcende, quando o toque preenche a solidão, o silêncio de quem gostamos muito, a mágoa, a dor, a esperança, o sonho, o futuro, a vida…
Ontem ouvi até ao mais ínfimo pormenor o significado de raiva retardada, e o que faz sentido - faz sentido! Fez-me sentido.
O David encaminhou-me este mail:
Depois nesta altura, alguém da equipa lhe ofereceu mesmo um peluche que era um elefante, e que a Fernanda adora! Ao peluche deu-lhe o nome de João: o nome do seu médico predilecto!
É uma experiência muito gratificante quando nos envolvemos assim, de alma e coração, por e com uma pessoa de quem cuidamos, dia após dia, noites e noites... E quando na escola nos diziam que enfermagem é a arte de cuidar, na altura não sabíamos, mas hoje sabemos que é isto: é este marcar de diferença que faz toda a diferença.
E é ainda isto o trabalho em equipa: o que conseguimos construir com a Fernanda!
Muitas outras pessoas faltam aqui nestas fotos, porque a equipa é enorme e é um privilégio o que aprendo um bocadinho com cada uma das pessoas neste serviço!
Fernanda ensinaste-nos imenso a toda a equipa e provaste-nos a todos que mesmo perante os problemas, preocupações, sofrimento, adversidades podemos sempre sorrir e ser nós próprias. Afirmaste as tuas vontades, desejos, projectos, decisões que fomos sabendo respeitar. E hoje concretizaste aquilo que desejavas: ir ao banco, ir ao cabeleireiro, almoçar fora (com tantas emoções fortes até me esqueci de te perguntar o que é que foi o teu almoço! Ainda me vais ter de contar esses pormenores gastronómicos), fazer as tuas compras, pintares as unhas...
Carta de Agradecimento da D. Fernanda
«Venho por este meio agradecer a toda a Equipa médica, de enfermagem e Auxiliares todo o bem que me fizeram. Só assim fui salva de morrer com uma doença bastante grave e vários problemas.
Peço a Deus que todos os doentes sejam da Unidade Medicina 1 B - Hospital Curry Cabral. Agradeço a vida a eles e peço por todos que sejam salvos e tão bem tratados como eu fui. Muito obrigado mais uma vez médicos, enfermagem e auxiliares da medicina piso 2 1 - B.
Não tenho palavras para vos agradecer.
A Doente, Maria Fernanda Marcelino»
Obrigado pelas tuas palavras Fernanda, do fundo do coração!
Não nos esqueceremos de ti e iremos recordar-te muitas e muitas vezes, iremos falar de ti sempre e recontar as tuas histórias, com um sorriso rasgado e o olhar a brilhar de vida: porque é assim que tu és, uma pessoa cheia de vida!
Morabeza:
Mais uma vez fomos jantar à Adega das Gravatas. Se eu alguma vez imaginava... que me iria rir tanto e tirar fotografias ao lado de uma certa e determinada pessoa. A noite a terminar no Lizarran em Telheiras, como alguém disse, estilo taberna à espanhola com bom aspecto. Ficámos na esplanada e a noite estava óptima!
Estar a escrever ao computador de porta encostada e o vidro que dá para o corredor ser daqueles vidros baços que não conseguimos ver nada para o exterior... passa no corredor um vulto: o D.R. e por uma pequena linha repara que sou eu que estou atrás do écran. Pára e fica a dar toques no vidro para me cumprimentar. Já não o via há algum tempo e fiquei contente com esta forma engraçada e invulgar de me ter feito notar a sua presença, ali.
Está tanto calor que parece que estamos numa estação do ano diferente. Hoje voltei a tirar do roupeiro roupa de Verão para vestir! De manhã ainda continuo a beber mazagran com gelo antes de ir trabalhar, e é bom...
O que me deixou mais triste:
Acabo de encontrar um bocadinho daquilo que foi ontem o concerto do Seu Jorge no Campo Pequeno:
O Dia Mundial dos Cuidados Paliativos celebra-se anualmente no segundo sábado de Outubro, e é hoje comemorado!
Olhar cansado a sorrir para um outro rosto alquímico e ingénuo... Imagino-vos a brincar com a M. e a darem-lhe asas enquanto ela cresce.
Em forma de carta, depois da nossa conversa, João:
Sinto-me respirar de outra forma, mais livre, com o ar a expandir-se mais como o vento do Outono. A segurança de entender o mundo, no que é de todos e de cada um faz toda a diferença! Acho que neste Outono me tornei mais íntegra e honesta, capaz de me olhar e de olhar os outros nos olhos e saber o peso desse olhar, ser capaz de abrir as mãos e criar uma distância... porque o futuro é aquilo que ainda podemos fazer acontecer.
O medo deixou de me interessar. O meu lamento não consegue alcançar todos (alguns estão demasiado longe, sabemos disso). Não quero entrar por aí de novo.