terça-feira, abril 29, 2008

Construção de uma relação

O olhar,
O sorriso,
A escuta,
As palavras,
As mãos,
Os gestos.

O olhar atento,
perscruta
indaga,
penetra,
esquadrinha,
inquire, ...

O olhar sereno,
é terno
apaziguador,
compassivo, ...

O sorriso, acolhe, acalma, alegra, ....
complementa o olhar
converte-se em referência no tumulto do sofrimento.
Metamorfoseia-se em esperança no redemoinho do desespero.

A escuta amplia o espaço e o tempo.
Dá lugar ao outro.
Valoriza o indizível.

As palavras, todas as palavras, tantas palavras ...
Indagam o sofrimento,
a dor.
Expressam a alegria,
o prazer do reencontro improvável.
Explicam o inexplicável,
o indecifrável.

As mãos são de fada,
de rigor,
de precisão ...

Os gestos são de uma serena harmonia.
Quase perfeita.
Os gestos são de partilha,
de humana comunhão.

O todo é um concerto de jazz numa noite de verão.

(Manuel Lopes, 2005)

segunda-feira, abril 28, 2008

Sob a luz quente amarelecida revejo-nos em desencontro na noite pela calçada empedrada, na ideação do desejo fícticio sempre frágil, nos gestos pleonasmos que não se encontram, nas palavras quase ditas, nos espaços recortados daquilo que nos separa...

Edson Cordeiro

Edson Cordeiro pela primeira vez no palco do Teatro São Luiz a anunciar uma força maior na extensão da sua voz: decidido, delicado, celestial, com humor e presença. A noite era dele... o homem hemafrodita, bizarro, de espectro vocal que se estranha e admira...
Um concerto surpreendente!

sexta-feira, abril 25, 2008

Lembrou-me o Bermejo a dizer: "somos todos pessoas feridas..."


quinta-feira, abril 17, 2008

Jantar Suburbano














A casa da Sílvia é uma casa-zen-de-colo-de-coisas-boas!!!

terça-feira, abril 15, 2008

Ambiente nos Serviços de Cirurgia

Dois aspectos parecem-nos peculiares nos serviços de cirurgia. A sua rotina e o tipo de contacto médico-doente: o cirurgião passa muito do seu tempo no bloco operatório, os contactos com os doentes são habitualmente breves, incisivos, na presença de outros colegas e a atenção é essencialmente dirigida para a cicatrização das feridas, ocorrência de infecções ou outras complicações, para a avaliação dos índices analíticos. Mas, apesar da brevidade do contacto, verificamos, no entanto, que ele é intensamente vivido pelo doente que bebe as palavras do cirurgião e tenta subtilmente discriminar as suas atitudes ou expressões, o que reenvia para outro aspecto específico da cirurgia: a forma como o doente representa o cirurgião e com ele comunica.
Será que a brevidade do contacto provém de uma medida cautelar do cirurgião, que se protege inconscientemente, evitando identificar-se com aquele que vai “abrir”? Ou será que a forma como o doente o representa ou tem necessidade de representar o cirurgião (como homem de acção e decisão, rápido e eficaz como o comandante de uma equipa, seguro e corajoso a quem o doente vai ficar completamente entregue durante a intervenção) impede o cirurgião de uma proximidade, diremos, mais “maternal”, auscultando paulatinamente o palpitar ás vezes extrasistólico dos receios do doente, palpando a sua sentimentalidade epidérmica, mergulhando na densidade das suas emoções ou infiltrando-se na capilaridade das suas expectativas?
Perante a necessidade de representar o cirurgião como um ser todo poderoso, idealizando as suas capacidades salvadoras e não tomando contacto com o outro lado agressivo e até mutilador da cirurgia, será, por vezes, difícil, para o doente interrogar o cirurgião sobre os riscos e sobre os procedimentos com medo que ele leve a mal, “pode-se parecer ignorante, ser-se considerado estúpido” e portanto desvalorizado ou pôr em causa a confiança que se tem no médico que pode imaginar estar o doente a questionar a sua competência.
Em certas equipas a complementaridade dos papéis paternal e maternal está deliciosamente repartida entre médicos e enfermeiras e adequadamente integrada nas rotinas, culminando com uma abordagem global do doente cirúrgico capaz de conter todo o arco-íris das modelações afectivas do doente. Outras vezes nem sempre é fácil para o doente encontrar escoadouro para as suas dúvidas, satisfação das suas necessidades ou eco dos seus medos irracionais ou superstições.

António Barbosa, Psiquiatra

Dia de ontem: Points of view

Na sala de trabalho, sentada em frente ao computador, sem estar a fazer nada de muito especial.
Dr. J.J: -"Hoje a João está muito calada..."
Franzi as sobrancelhas ao mesmo tempo com um leve encolher de ombros, sem nada dizer.
Dr. J.J: -Muito trabalho, não é?!
- Não neste momento, até não! Estou só aqui a ver umas coisas no computador..."

Encostada ao corredor, comento com Alguém muito especial que me foi visitar:
"- É tão giro o Pedro ir-se casar!
Prof.ª A.F: - Você pode achar piada, eu não acho muita graça a casamentos. Eu a pensar que já me tinha despachado dos casamentos e este ano parece que está tudo louco, casa tudo este ano! Até uma amiga minha de 48 anos, acha isto normal, João? Eu não.
Faço assim aquele ar de espanto
Prof.ª A.F: - Dá tanto trabalho a desfazer! O trabalho que dá casar e depois o trabalho que dá descasar... São só chatices...

Recém-colega que se vai casar: - Deves ser da minha idade!
Que não sei qual é (estimativa de para aí 28 anos), ar de suspense
Recém colega que se vai casar: - Que idade é que tens?
- 23
- Ah, afinal não. Pensei que fosses mais velha!!
Sorrio

segunda-feira, abril 14, 2008

David Fonseca - Coliseu dos Recreios

Um concerto fantástico, especial, diferente!

Não percebo nada de música para além de gostar ou não gostar dela, mas no momento em que encontramos uma qualquer emoção numa música ela faz parte de nós. É assim: entranham-se pedaços de música que transmitem emoção e ficam colados aos ouvidos como vinco.
A enorme capacidade criativa e de surpreender, os cenários, os pormenores da iluminação, as ideias, as imagens, as associações entre as ideias e as imagens, a projecção em tela, os mariachis, o stand-up comedy, medley de hits radiofónicos em modo sensível, a cama em palco, as bolas de sabão… O mais-que-tudo de qualquer concerto: bom de ver, de ouvir e de sentir…

domingo, abril 06, 2008

A Escolha do Humano

«Bubulina mostrava-se indiferente e apenas aceitava os carinhos de um humano que se instalava no terraço diante de uma máquina de escrever.
Era um humano esquisito, que ás vezes se ria depois de ler o que acabava de escrever, e outras vezes amachucava as folhas sem as ler. O seu terraço estava sempre envolvido numa música suave e melancólica que adormecia Bubulina e provocava fundos suspiros nos gatos que por ali passavam.
- O humano da Bubulina? Porquê ele? - quis saber Colonello.
- Não sei. Esse humano inspira-me confiança - reconheceu Zorbas. - Ouvi-o ler o que escreve. São palavras belas que alegram ou entristecem, mas que produzem sempre prazer e suscitam o desejo de continuar a ouvir.
(...)
- E o que te leva a pensar que esse humano sabe voar? - quis saber Secretário.
- Talvez não saiba voar com asas de pássaro, mas ao ouvi-lo sempre pensei que voa com as palavras - respondeu Zorbas.

Que só voa quem se atreve a fazê-lo - miou Zorbas.»


(in História de uma Gaivota
e do Gato
que a ensinou a voar,
Luis Sepúlveda)

sexta-feira, abril 04, 2008

Não foi hoje o dia. Já tinha sido...

A vida fica desarrumada por entre fios que nos agarram e outros que se soltam.
O ontem, o hoje e o amanhã no mesmo espaço.
O buliço dos dias; a janela da sala silenciosa que deixa entrar música clássica num fim de dia; em cima da mesa um livro que me impele a querer terminá-lo; uma música nova que gosto "Choose Love" da Rita Redshoes e que vou escutando casualmente na rádio; aquele pedaço de texto a instalar-se em mim: «Eu sou mais interior, sabias, sabias. Sou mais interior! Aquele é o meu espaço interior, reservado apenas aquilo que eu sou, percebes? Não, eu sou mais exterior. Sinto-me confortável (...) no acessório, no barulho e no néon. Gosto mesmo do pisca-pisca e de (...) gente a falar de qualquer coisa. O caos é mais confortável. Gosto mais de dentro, gosto mais de estar dentro. Agora sigo sozinha. Vou crescer mais um bocadinho, não achas???» (devagar)
Há um dia em que vai deixando de fazer sentido.
Na pergunta O que é que te faz correr? A resposta afigura-se-me sempre ambígua.
O que havia, o que há e faz crer e querer e sonhar abstractamente com o para sempre daqueles instantes vai-se diluindo. Depois vem o tempo de tentar entender o que foi sem remorsos. E passa a ser passado de um presente em que já não nos revemos e é isso que nos dá a certeza que já não é! Já não é, daquela forma... Já não somos.
A partir de agora és responsável por aquilo que cativares!
Duvido.
Continuamos.
Esperamos.
Escolhemos, ás vezes.
Aguardamos que o vento da sorte sopre a suavidade dos momentos.
Desejamos aquilo que pode transformar o quotidiano. Sorrimos.
Num tempo, num lugar e numa possibilidade de sermos.