Profissionais de saúde manifestem-se!!!
Há uma criança em perigo! - É o que apetece gritar! É uma Emergência!
Não consigo entender nada do que acontece neste caso.
Sempre foi e será claro. Esmeralda deve ficar com os seus pais afectivos. Aliás, nunca deveria ter sido separada dos seus pais afectivos, Sargento Gomes e Adelina.
Não percebo onde é que os tribunais se baseiam para tomar uma decisão que vai contra tudo o que diz respeito aos direitos e protecção das crianças.
Uma criança constitui-se como pessoa na sua dupla vertente somática e psíquica, não se podendo subvalorizar a existência de uma vida interior que se inicia desde os primeiros momentos.
Ao nascer, o recém-nascido desprotegido separa-se bruscamente da mãe, é confrontado com uma diversidade de estímulos ambientais novos que irão exigir uma permanente adaptação e, encontra-se totalmente dependente do meio que o circunda. Necessita dos cuidados da mãe, ou de quem a substitua e de um meio propício para sobreviver.
É indiscutível a importância da figura materna (mãe, ou pessoa que estabelece uma relação vinculativa com a criança) nos primeiros anos de vida. Os cuidados maternais, como por exemplo: alimentar, dar banho, vestir/despir, adormecer o bebé ultrapassam a satisfação das necessidades básicas e não podem ser percebidos apenas no seu aspecto funcional. A forma como a mãe desempenha e vivencia o seu papel influenciará o desenvolvimento psicológico da criança e irá interferir com a satisfação de diversas necessidades.
De acordo com Winnicott, nos casos dos bebés cujas mães não reflectem o seu estado de espírito ou reflectem a rigidez das suas defesas, os bebés são confrontados com a experiência de nada receberem em troca do que eles dão: olham mas não se veêm a si próprios. Como resultado vai ocorrer uma diminuição da capacidade criativa da criança e ela vai procurar outra solução para que o ambiente circundante reflicta algo dela própria. Outros bebés não perdem imediatamente a esperança; estudam o objecto e procuram decifrar o que deveria lá estar. Outros bebés estudam o rosto materno atentamente e fazem uma previsão. Assim face ao rosto da mãe, o bebé cresce como que questionando-se perante um espelho. Se o rosto da mãe não responde, o bebé sente que não existe nada de si próprio para ver. Este autor postulou um processo histórico no desenvolvimento dependente do facto de ser visto «Quando eu olho, vêem-me, portanto existo. /Posso então permitir-me olhar e ver. /Eu olho então criativamente e percebo».
Quando a família está unida através de laços de harmonia, a criança pode observar-se e “ver-se” reflectida na atitude de cada membro da família ou na família como um todo. Sendo assim a família tem um papel fundamental no que diz respeito ao desenvolvimento da personalidade e ao enriquecimento de cada um dos seus membros.
Harris, citado por Eduardo Sá referiu que «
os acontecimentos traumáticos que acontecem na vida, seja qual for a sua origem, testam a capacidade da personalidade em lidar com uma nova experiência, e as inevitáveis dor e incerteza que lhe estão associadas, bem como crescer com isso. Esta capacidade é sempre, de alguma forma, influenciada pela natureza dos primeiros objectos continentes e em particular pelas qualidades perceptivas da mãe. Pais receptivos ajudam o bebé a ter experiências de si próprio. A sua identificação com eles facilita-o a lidar com conflitos emocionais posteriores e com impulsos característicos da vida, na medida em que ele (bebé) consegue ser o que é e sentir o que sente».
A separação constitui uma situação traumática, muito dificilmente aceite pelo psiquismo das crianças e com um grande impacto na sua vida psíquica.
Consideremos estes dois exemplos mencionados por Maurice Berger: quando se tenta explicar a uma criança adoptada que a sua mãe biológica a abandonou por não ser capaz de cuidar dela e optou por um acto de amor ao entregá-la a uma outra família capaz de a fazer feliz, ou quando se explica a uma criança separada de pais com doença mental/psiquiátrica que não pode continuar a viver com eles, porque eles não são capazes de a proteger, estes factos não constituem a solução para minorar o sofrimento psíquico, impedir a criança de idealizar os pais (mesmo que até tenha sido vítima dos seus maus tratos). O mesmo autor descreve dois mecanismos que impedem a capacidade de pensar da criança:
«- Negação: logo à partida, a criança rejeita qualquer argumento objectivo que se lhe proponha.
- Clivagem: consiste em manter coexistentes dois modos de pensamento antinómicos (…). Tem graves consequências visto que impede o acesso à ambivalência: os pais não podem ser simultaneamente amados e criticados. São idealizados por uma parte do psiquismo da criança, temidos e odiados por outra, partes essas que não comunicam entre si e que são mantidas bem separadas. A clivagem complica consideravelmente o trabalho psicoterapêutico, uma vez que o psicoterapeuta nunca sabe com que parte da criança está a lidar.»
Daqui podemos inferir que determinadas explicações fornecidas com a melhor das intenções, só por si, não podem ajudar as crianças a compreender as razões da separação/abandono. É uma realidade cruel demais para ser integrada. Para além disto, o processo psíquico inerente à separação é vivenciado de um modo diferente de um processo de luto (por morte de alguém que nos é significativo). E porquê? Porque como o autor escreveu, “a sobrevivência do objecto separado alimenta a esperança de reencontro, de reconquista, ou pelo menos, de um encontro possível”.
Crianças submetidas a uma separação são crianças com múltiplas privações emocionais; que sentem a falta de afectos, solidão e vazio, sentimentos estes geradores de um sofrimento intenso, ansiedade e dor extremas. Maurice Berger descreve que estas crianças imaginam-se frequentemente culpadas de situações, que não têm absolutamente culpa nenhuma e acham que são a causa do que as deprime. A criança ao idealizar a sua mãe ou o seu pai, ou ambos, de um modo incriticável, não pode dirigir contra eles os sentimentos de raiva e revolta que a assolam por os progenitores estarem ausentes e, esses sentimentos são voltados contra si próprias, sob a forma de autocrítica. São crianças que desenvolveram mecanismos específicos, tais como ambicionar dominar as relações com terceiros ou, em contraste, entregarem-se a uma anulação de si próprias, não conseguindo expressar as suas opiniões, sentimentos. Estes processos surgem em consequência da situação de passividade forçada face aos acontecimentos exteriores a que foram sujeitas.
Não me é concebível que um tribunal coloque em perigo a saúde das crianças, sujeitando-as ao sofrimento, uma vez que são situações muito delicadas, que podem ter repercussões bastante graves. O pedopsiquiatra Pedro Strecht destaca três grandes quadros mais ou menos comuns, os quais passo a referir:
Imaturidades estruturais: crianças com um self não integrado, pouco organizado, com dificuldades na aprendizagem, apesar de um potencial intelectual dentro da média; discurso (linguagem) muito ligado ao concreto, dificuldades nas actividades de representação e simbolização. Fraca interiorização de regras e limites, revelam sintomaticamente as falhas do investimento parental: atraso do crescimento e no desenvolvimento, problemas comportamentais, patologia psicossomática, dificuldades no controle de esfíncteres (enurese, encoprese).
Depressões: com diferentes graus de profundidade e de gravidade, crianças/adolescentes tristes, inibidas, com baixa auto-estima, com dificuldades escolares, muitas delas manifestam comportamentos aditivos, outras pré-delinquentes, adolescentes com falhas na identidade sexual e risco de suicídio.
Desorganizações pré-psicóticas ou psicóticas: crianças muito desorganizadas e confusas, como resultado de uma dificuldade em manter em equilíbrio uma dinâmica interna face à intensidade de acontecimentos traumáticos exteriores”.